Cinema
KEITA! O LEGADO DO GRIOT: A ESTÉTICA DA PALAVRA À SERVIÇO DA IMAGEM
Joseph Paré
(Universidade de Ouagadougou)
As produções literárias e cinematográficas dos africanos têm traços comuns no plano estilístico e temático, embora apresentem distinções do ponto de vista de sua origem.
Na esteira de Batouala, primeiro romance genuinamente africano – pelo qual René Maran recebeu o prêmio Goncourt em 1921 -, as obras literárias apresentaram-se como uma contra-literatura. Tratava-se de propor uma visão da África diferente daquela que aparecia nos romances coloniais, dominados por estereótipos do negro que acabavam por sustentar a propaganda colonial. Tratava-se de ir na contra-mão de um discurso e de uma visão de mundo que infantilizava o negro, atribuindo-lhe o estatuto de um ser inferior. Da mesma maneira, o aparecimento do cinema africano – o primeiro filme, Mouramani, foi realizado por Mamadou Touré em 1955 – inscreve-se na perspectiva da contestação às imagens difundidas pelo cinema colonial. Este foi desde o princípio um cinema iconoclasta que teve por ambição a descolonização das telas e sua africanização. Ainda hoje, os cineastas africanos tem por objetivo produzir obras centradas nas realidades da África pós-colonial, realizando filmes que constituam um meio de apreciação da situação real dos indivíduos.
Para os africanos, a literatura e o cinema tornaram-se armas contra a alienação depois de anos de “domesticação”. Sua estratégia consiste numa indigenização das produções artísticas, de modo a oferecer a imagem daqueles a quem elas se destinam prioritariamente. Assim, tanto do ponto de vista temático quanto estético, estes dois modos de produção artística recorrem à estética negro-africana. Na literatura, isto se traduz por um mergulho na aventura do escrito, do que são testemunhos romances como Les soleils des independences (O sol das independências) de A. Kourouma ou Le boucher de Kouta (O açougueiro de Kouta) do falecido Massa Kaman Diabaté. No cinema, os realizadores produziram obras empregando línguas locais com legendagem para o francês ou outras línguas não-africanas. É o caso dos filmes Mandabi (O mandato, 1968) e Finyè (O Vento, 1982) de Souleymanecissé. Estas convergências permitem supor que se produziu na literatura e no cinema uma reapropriação cujo projeto neguentrópico é manifesto.
O filme de Dani Kouyatê Keita! L’Heritage du griot (Keita! O legado do griot) (1995) inscreve-se nesta movência da estética da reutilização. Nela, não é apenas a língua empregada na realização do filme que está em jogo, mas convém considerar igualmente os códigos estéticos segundo os quais se efetua a narração. Mais do que em outros filmes desse gênero, o de Dani Kouyaté radicaliza a reutilização da estética tradicional: o personagem do griot permite ao realizador tornar complementares as possibilidades narrativas, autenticando ao mesmo tempo a estética da reutilização. Concretamente, abordaremos o filme de Kouyaté concentrando a atenção no que chamamos de dimensão auricular da narração fílmica (CASETTI, 1999, p. 271). Nosso propósito é pôr em relêvo a maneira pela qual a oralidade se apropria da narração, decodificar os códigos narrativos e a arqueologia do discurso que funcionam como modulador. Mesmo que a oralidade não seja mais do que um simples aparato, opera-se uma mediação entre a palavra e a imagem. Esta mediação nos permitirá render conta da eficácia da estética da palavra.
Burkina Fasso | Dany Kouyaté | 1996 | Drama
Língua: Francês | Legendas: Português e francês | IMDB
96 min | 700 MbVer mais